Há 45 concelhos que são "desertos de notícias": Trás-os-Montes e Alentejo "são situações críticas"
Mais de metade dos concelhos portugueses apresentam lacunas na cobertura jornalística local e 45 foram mesmo classificados como "desertos de notícias", ou seja, territórios onde a cobertura jornalística de proximidade é praticamente inexistente. A conclusão é de um estudo realizado pela Universidade da Beira Interior (UBI), divulgado este ano, que faz um retrato da presença dos media em Portugal. O documento aponta uma ausência de meios concentrada no interior, sobretudo no Alentejo e em Trás-os-Montes.
“Cada ano perde-se um pouco. Uma empresa deixa de querer anunciar, um jornal deixa de circular e, aos poucos o sistema vai-se esvaziando. O jornalismo local está a agonizar em praça pública, sem se perceber”, explicou Giovanni Ramos, professor do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) e um dos autores do estudo, em entrevista ao Conta Lá.
”O relatório “Desertos de Notícias Europa 2025: Relatório de Portugal” refere que há ainda 38 municípios considerados "semi-desertos" por serem territórios com uma cobertura irregular ou insuficiente. Isto acontece, por exemplo, quando o único meio é um jornal com uma tiragem pouco frequente ou uma rádio sem jornalistas locais.
Os autores do estudo alertam que esta situação fragiliza o escrutínio público e enfraquece a participação cívica: “Um dos maiores pilares da democracia é o acesso à informação, o que não acontece em vários concelhos do país”, lê-se no documento. Por outro lado, o cenário aumenta a vulnerabilidade e a propagação de desinformação nestes municípios.
"A ausência de cobertura noticiosa local cria condições favoráveis à proliferação de desinformação, amplificada pelo funcionamento algorítmico das plataformas digitais, que privilegiam popularidade
e interação, em detrimento da verificação e do rigor", destaca a investigação.
O relatório contabiliza 891 meios regionais ativos em Portugal, dos quais 399 são meios de impressa, 236 rádios e 409 plataformas digitais. Comparativamente a 2022, ano em que foi feito o primeiro estudo sobre a temática, registou-se uma diminuição no número de desertos totais (de 54 para 45), mas verificou-se um aumento significativo dos semi-desertos (de 24 para 38).
Nos últimos três anos, surgiram 76 novos meios digitais, dos quais 65 são exclusivamente online, o que confirma a consolidação do formato digital como principal suporte do jornalismo regional. Contudo, o crescimento digital não atenua as assimetrias regionais.
“A concentração dos media regionais continua no litoral. Não há nenhum concelho do litoral classificado como deserto total de notícias”, sublinhou Giovanni Ramos ao Conta Lá.
Trás-os-Montes e Alentejo em risco de se tornarem "desertos regionais"
O documento indica que, dos 50 concelhos mais pequenos do país, mais de metade são classificados como "desertos" ou "semi-desertos" de notícias: há 24 "desertos" e oito "semi-desertos".“Este fenómeno apresenta-se particularmente pronunciado nas regiões do interior, caracterizadas
por baixa densidade populacional e reduzido dinamismo económico”, refere o documento.
Entre os concelhos classificados como "desertos de notícias" estão o Alandroal, Alfândega da Fé, Alvito, Arronches, Avis, Barrancos, Constância, Crato, Cuba, Freixo de Espada à Cinta, Fronteira, Gavião, Lajes das Flores, Manteigas, Marvão, Mesão Frio, Monforte, Mora, Pedrógão Grande, Penamacor, Penedono, Sardoal, Sousel e Vila Velha de Ródão. Nos "semi-desertos", estão municípios como Alter do Chão, Calheta (Açores), Castanheira de Pera, Figueira de Castelo Rodrigo, Nordeste, Ourique, Pampilhosa da Serra ou Santa Cruz das Flores.
Giovanni Ramos refere que as regiões com o maior número de concelhos classificados como "desertos de notícias" são Trás-os-Montes e o Alentejo.
"São situações críticas, com pouquíssimos meios de comunicação para uma população que já é reduzida. Se esses meios deixarem de existir, vamos ter um deserto regional", alerta o investigador.
O relatório identifica ainda o Alto Alentejo e o Alto Tâmega como duas das sub-regiões mais afetadas, devido ao número reduzido de meios face à população residente. No primeiro caso, existem apenas nove meios para cerca de 103 mil habitantes e, no segundo, 15 meios para 78 mil residentes.
O estudo sublinha ainda a situação crítica das rádios regionais: 109 concelhos não têm qualquer emissora com noticiário local e 19 apresentam-se como "semi-desertos". No total, 138 concelhos (44,8%) revelam uma ausência ou escassez de rádios com informação de proximidade. Apesar disso, verificou-se uma ligeira melhoria relativamente a 2022, quando o número de concelhos sem rádios locais ascendia a 118.